quarta-feira, 11 de abril de 2012

Vencemos o medo!


A greve dos militares que mexeu com o Maranhão no final de novembro, foi um movimento puxado pelos chamados praças: soldados, cabos e sargentos, da Policia Militar (PM) e dos Bombeiros. Ao contrário do que disse a imprensa ligada ao governo, alguns oficiais apoiaram a mobilização, mas, a iniciativa foi da base. Entre as organizações que tiveram importância neste processo, está a Associação dos Servidores Públicos Militares do Maranhão (ASSEPMMA). Foi ela, inclusive, quem lançou (em plena greve), uma carta aberta à população brasileira, manifestando solidariedade com a luta dos quilombolas e sem terra, que estavam, naquele mesmo momento, chegando a São Luís para uma audiência no INCRA. No documento histórico (publicado em vários sites de vários pontos o país), os militares do Maranhão também pediram desculpas pelos excesso cometidos nos conflitos de terra. O nosso entrevistado do mês é o cabo da PM, Roberto Campos Filho, um dos dirigentes daASSEPMMA. Leiam:

Vias de Fato - Como você avalia o movimento militar realizado em novembro?
Campos - Avalio de forma excelente. Primeiro quanto às reivindicações, onde em uma pauta de nove itens, sete foram atendidos, dentre esses, reclamações históricas dos militares, como o fim do RDE (Regulamento Disciplinar do Exército), lei de promoção, data base e mudança de carga horária, que era de 72 horas, para 40 horas. Outro aspecto foi a excepcional coragem e garra dos militares e familiares. Onde venceram o medo superando as ameaças de prisão, exclusão e multas.

Vias de Fato - A paralisação dos policiais e bombeiros pegou muita gente de surpresa. O que levou vocês a ocuparem a Assembléia Legislativa e puxar este movimento?
Campos - O descaso do Governo do Estado. Estávamos deste fevereiro negociando através da Comissão de Segurança da Assembléia, liderada pelo deputado estadual Zé Carlos (PT). Contratamos o doutor Sebastião, mestre em economia, que fez um estudo de nossas perdas salariais apresentado no dia 13/09 em audiência pública com a presença do secretário de segurança que se comprometeu a levar o estudo para o secretário de planejamento. Para nossa surpresa, não fomos contemplados com o orçamento para 2012 e este ponto trouxe insatisfação e revolta motivando a paralisação por 4 horas no dia 08/11, onde o líder do governo, Manoel Ribeiro, nos pediu um prazo de 15 dias. Na Assembléia geral do dia 23/11, sem nenhuma resposta do Governo, foi decidido, por unanimidade, a segunda paralisação. O que motivou a ocupação da Assembléia Legislativa foi o entendimento da tropa de que esta é a casa do povo e que de lá saiu a promessa do líder do governo em atender nossas reivindicações.

Vias de Fato - Este foi um processo deflagrado pela base? Por soldados, cabos e sargentos? Ou teve a interferência de oficiais?
Campos -  Não houve a interferência de oficiais e sim a adesão destes que entenderam que o movimento liderado pelos praças era justo e que beneficiaria toda a categoria. No movimento não havia diferenças entre praças e oficiais que o RDE maldito, a bíblia do diabo, tanto colocou-nos de maneira separada e agora entendemos que somos um só corpo.

Vias de Fato - Qual a importância da Associação dos Servidores Públicos Militares do Maranhão neste processo?
Campos - A importância das associações foi a credibilidade que a tropa nos confiou tanto no interior quanto na capital. Quero ressaltar, no entanto, que não foi apenas a ASSPMMA a liderar este movimento. As associações do interior, os inativos e os bombeiros da capital fazem parte desta vitória.

Vias de Fato - Ao longo do movimento militar, chamou muita atenção das organizações populares - do campo e da cidade - a carta aberta que vocês fizeram prestando solidariedade à luta dos quilombolas, dos índios, dos sem terra. Uma carta onde vocês afirmaram que eles são parte “do mesmo povo, vítimas da mesma opressão, da mesma exploração que se alastras pelos quatro cantos do Maranhão”.  Fale sobre este documento.
Campos - O documento é um pedido de perdão. Realmente somos parte do mesmo povo e historicamente estivemos em lados opostos o que é um absurdo. Nestes dias de paralisação recebemos apoio e visitas dos quilombolas, dos índios, do MST e da Pastoral da Terra que nos fizeram refletir e entender que devemos ser solidários.

Vias de Fato – Pois é. Como você mesmo colocou, logo em seguida a carta de vocês; os quilombolas, o MST e os agentes da CPT, estiveram na Assembléia Legislativa para apoiar o movimento militar. Como você avalia isso? Você acha que pode ocorrer um diálogo futuro entre todos vocês, ou tudo foi resultado do calor da hora?
Campos - Negativo de calor da hora. Temos sim um compromisso com estas entidades e a ASSPMMA deseja fazer seminários, audiências públicas não só com estes, mas também com estudantes, sindicatos e associações, a fim de cicatrizar as feridas. Nos comprometemos, como associação, em fazer um manual de comportamento militar em manifestações populares. Creio que é o início de um grande entendimento. Somos o mesmo povo.

Vias de Fato - Diretos Humanos é uma expressão às vezes mal compreendida por alguns setores. Existe a possibilidade da sociedade civil organizada tratar deste tema com os militares do Maranhão?
Campos - Muita gente não soube, mas, enquanto estávamos acampados na Assembléia, o Fórum Estadual de Direitos Humanos lançou um documento em apoio ao nosso movimento. Neste documento eles disseram que estavam vindo a público “manifestar sua solidariedade a este conjunto de trabalhadores (militares)”. Além deste Fórum, assinaram esta mesma nota, em apoio ao nosso movimento, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, a União Estadual por Moradia Popular, o Centro de Defesa Padre Marcos Passerine e o Conselho Regional de Psicologia. Então, o que eu tenho a dizer, é que o nosso movimento mexeu com a opinião pública e com diferentes tabus. Espero que a partir daqui, todos estes setores, civis e militares, estejam abertos ao diálogo. Um diálogo em favor de interesses coletivos.  

Vias de Fato - O Maranhão está entre os estados brasileiros com maior concentração de terras.  Qual tua opinião sobre a reforma agrária?
Campos - Uma das campanhas da fraternidade pela Igreja Católica teve como tema "Terra de todos, terra de irmãos", há aproximadamente 20 anos, infelizmente até agora quase nada mudou. E é de competência do Estado garantir o direito ao acesso à terra para quem nela vive e trabalha conforme a Lei. Sou totalmente a favor da reforma agrária. Terra improdutiva deve ser dividida entre os que nada têm. E é necessário garantir o acesso ao maquinário, sementes e condições para que nosso povo que tem habilidades tire da terra o sustento.

Vias de Fato -  O Sistema Mirante disse várias e várias vezes que o movimento de vocês era coisa de bandido. Qual sua opinião a respeito?  
Campos - O texto da propaganda do governo dizia "Uma greve da PM só interessa a bandidos e marginais". A constituição diz que a greve é um instrumento do trabalhador por melhores salários e condições de trabalho, portanto o Sistema Mirante colocou todos os militares do movimento como bandidos e marginais. O meu sentimento e de toda comunidade militar é de profunda indignação. Provamos que somos ordeiros e pacíficos e prova disso foi a solidariedade da população maranhense. Então, ao final deste processo, o nosso movimento saiu vitorioso e de cabeça erguida.

Vias de Fato - No Brasil é comum os grandes meios de comunicação, a imprensa dos ricos, chamarem todo e qualquer movimento social como coisa de bandido. Assim como a Mirante falou do movimento de vocês, a Globo e a Veja falam do MST, dos estudantes etc. Como você avalia este problema da criminalização dos movimentos sociais?
Campos - Infelizmente a Globo ainda é a maior formadora de opinião no país. Nós, como povo, temos de ter o senso crítico para analisar o que há por trás de cada reportagem. Fomos vítimas do duelo Lula x Collor onde o Jornal Nacional um dia após o debate decisivo colocou os pontos positivos de Collor e os piores momentos de Lula. Recentemente, tivemos a declaração de Ricardo Teixeira onde ele disse "enquanto a Globo não divulgar nada continuarei sendo o presidente da CBF". Os ricos continuam usando deste poder para massacrar os movimentos sociais. O conhecimento liberta! Hoje, a massa de manobra desses meios está diminuindo. Creio que no Brasil devido ao acesso as universidades e programas de educação, fatos como este estarão com dias contados.

Vias de Fato - Outro fato que chamou muita atenção no movimento militar, foi o boicote que vocês fizeram a Mirante, se recusando a dar entrevistas para todo este Sistema, incluindo a rádio, o jornal O Estado do Maranhão, a TV e o site. Como líder de classe, você acha que é necessário democratizar a comunicação no país?   
Campos - A imprensa deve ser livre, mas não pode atender a interesses particulares. Para termos um povo livre precisamos ter liberdade de pensamento. Como já enfatizei, a comunicação não democratizada está com os dias contados. Tanto é que o boicote dos militares do Maranhão ao Sistema Mirante repercutiu, no Brasil inteiro, de maneira positiva. O povo não quer mais saber de mentiras e distorções veiculas por estes órgãos. E quero parabenizar toda a sociedade maranhense pelo despertar.

Vias de Fato - Causou indignação em muita gente o fato da Assembléia do Maranhão não realizar suas sessão nos dias em que vocês estavam acampados lá. Para todo mundo ficou a idéia de que foi um gesto de profunda subserviência ao governo do Estado.  Arnaldo Melo, presidente da casa, alegou falta de segurança. Qual tua opinião a respeito?
Campos - Falta de segurança não! Nossa manifestação foi absolutamente pacifica. Quanto às sessões, acho que o Poder Legislativo abriu mão de uma de suas tarefa fundamentais que é debater os problemas da sociedade. No momento em que todos os setores foram até o nosso acampamento para manifestar apoio e falar do problema, o presidente da casa e outros líderes do governo no poder legislativo, preferiram o silêncio. O que dizer? Ficou muito feito.

Vias de Fato - Você nos disse que a Associação dos Servidores Públicos Militares do Maranhão só tem uma faixa. Qual o futuro desta entidade?
Campos -  Um trecho do hino da polícia diz "O futuro há de exaltar heróicos feito de glória". A credibilidade que os militares têm como associação nos proporcionará lutas constantes em favor dos nossos associados que depois do movimento cresceu vertiginosamente. Esperamos ter uma boa sede social, mas o nosso maior desejo é ser uma entidade representativa e não só recreativa como algumas associações pelegas. Unidos somos fortes. Como diz o hino do bombeiro "Nenhum passo daremos atrás".